26.8.11

Recomendaram-me... Ler e enlou-crescer um pouco.



Namorado: Ter ou não ter, é uma questão

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si
mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado
de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva,
lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso,
transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado, mesmo, é muito difícil.

Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer
proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, soa frio e quase
desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda,
decidida, ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de
aflição. Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe
o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um
envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter namorado.

Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema sessão das
duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Não tem
namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de
virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado
quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos
com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.

Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho
escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue
de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico
Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre a
meia rasgada; de ânsia de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô,
bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer sesta
abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar
do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro
dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor. Não
tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai
com ela para parques, fliperamas, beira Deágua, show do Milton
Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical no Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele,
quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não chateia
com o fato de o seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem 
ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de
repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia de sol em plena
praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem
namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem
esperar o outro ir  junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão
com ficar sozinho.

Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem
medo de ser afetivo. Se você não tem namorado porque não descobriu que
o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha
a saia mais leve,  aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar.

Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de
esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de
si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria
lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse
em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão
estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de
borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases
sutis e palavras de galanteria.

Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho
necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.

Enlou-cresça



Carlos Drummond de Andrade